Entrevista com Liliana Patrício da Happiness Factory.
Durante este quarentena, alguns dos temas mais relevantes dentro do departamento de recursos humanos são a felicidade corporativa, a experiência do colaborador e a sua saúde mental. Na Factorial, acreditamos estes temas são de extrema importância o desenvolvimento tanto dos funcionário, quanto da empresa. Por isso, convidamos a Liliana Patrício, da Happiness Factory, para esta entrevista.
A Liliana é Formadora e Consultora de Felicidade Corporativa. A par disto, também se dedica especificamente ao estudo do Salário Emocional, nomeadamente através da integração na equipa de investigação do projeto “Perspetivas sobre a Felicidade. Contributos para Portugal no World Happiness Report (ONU)” coordenado pelo Professor Doutor Jorge Humberto Dias.
Nesta entrevista, além de comentar mais sobre a felicidade corporativa e a experiência do colaborador, Liliana também partilhou connosco alguns conselhos para ajudar empresas e gestores a atravessarem este momento.
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Antes de mais nada, conte-nos mais sobre si. Informe-nos brevemente o que sua empresa faz e o problema que pretende resolver para os seus clientes.
Há um ano fundei a Happiness Factory, que é muito mais que um projeto de felicidade corporativa, ainda que seja esta a área de negócio onde mais temos investido. O nosso objetivo geral é transformar conteúdos científicos proveniente de variadíssimos estudos comportamentais, filosóficos, económicos e sociológicos, em informação facilmente acessível para todos e de aplicação prática nas suas vidas.
Por isso atuamos em três áreas: educação, empresas e entidades seniores. Daí o nosso slogan “Felicidade para miúdos e graúdos!” ou “The Science of Happiness” traduzida por miúdos, explorada por graúdos e experimentada por todos!
Especificamente na área corporativa, o nosso objetivo é por um lado levar a promoção da saúde mental e a prevenção da doença, ao mundo do trabalho, onde passamos maior parte do nosso tempo. Para isso é importante garantir que a jornada do colaborador é pensada estrategicamente por parte das empresas, para lhes promover experiências emocionalmente impactantes e positivas.
E, por outro, o aumento de atratividade das empresas (tanto para novos talentos, como para novos clientes); a redução de custos com processos de recrutamento, formação e integração para os mesmos postos/funções (ou seja, manter o controlo da taxa de rotatividade pelo alinhamento de valores e promoção do sentimento de pertença à organização); e por fim, a maximização da força de trabalho das empresas, uma vez que os estudo nos dizem que existe uma forte relação entre felicidade e produtividade.
Como a sua equipa e clientes da Happiness Factory estão a gerir a mudança para o trabalho remoto?
Internamente o desafio a nível de gestão de projetos está a correr bem. Nós já trabalhávamos remotamente a nível da coordenação e organização de projetos. A grande mudança está a ser na entrega dos nossos serviços, uma vez que eram realizados maioritariamente a nível interno nas empresas clientes. Por isso, o que estamos a fazer agora é prestar todo o apoio que conseguimos aos nossos clientes, para que esta mudança forçada e repentina tenha o mínimo impacto possível nos seus colaboradores e consecutivamente, no seu desempenho.
As necessidades são muito variadas, pois clientes tecnológicos já trabalhavam bastante remotamente e o desafio agora é mantê-los a ter uma experiência emocionalmente interessante de trabalho, estando em casa. Mas, numa fábrica do setor alimentar, numa empresa hoteleira ou numa entidade de solidariedade social, as necessidades são completamente diferentes. Então, o que estamos a tentar fazer é ajustar alguns dos nossos serviços ao mundo digital e às necessidades que têm.
Falando especificamente dos nossos clientes, apesar de não poder generalizar, até porque como já disse temos clientes de áreas bastante diferentes, aquilo que sinto é que os relacionamentos interpessoais e a comunicação ganharam uma relevância ainda maior do que já tinha antes. Pois, na verdade, a gestão da mudança para o trabalho remoto não é uma realidade para todos.
Há clientes que estão a gerir a situação relativamente bem, porque foram necessários apenas alguns ajustes tecnológicos e nos procedimentos de comunicação interna, tornando-a mais próxima e pessoal.
Mas, temos um outro cliente da área farmacêutica que têm os seus colaboradores todos em casa sem trabalhar, porque a atividade não é de todo ajustável ao trabalho remoto.
Esta empresa em específico, o que está a fazer é tentar transformar este período de adversidades, num momento de aprendizagem e de aquisição de novas skills para os seus colaboradores. Na incerteza tomaram a decisão de investir nas suas pessoas, porque sabem que vão precisar de todo o seu empenho e dedicação posteriormente. É de louvar esta atitude e isto reflete bem os valores da empresa, mas infelizmente, até por questões financeiras, nem todas as empresas o conseguem fazer.
Como as empresas estão a viver o processo de serem totalmente digitalizadas? O que já era feito antes e pode ajudar os profissionais nesse processo?
Eu pessoalmente, acredito que com criatividade e empenho a reinvenção é possível em todos os setores de atividade. Contudo, tenho algumas dúvidas sobre as empresas se tornarem totalmente digitalizadas. Repare-se que até num restaurante que agora passou a vender em Take Away é necessário que alguém vá buscar a refeição para consumir; ou mesmo com entregas ao domicílio, é preciso que alguém leve a refeição ao seu destino para que esta seja consumida.
Para além, disto creio que é importante pensarmos que muitas empresas vendem não só um conceito, mas uma experiência. Pelo que transformar essa experiência em algo realizável digitalmente, não me parece algo simples em todas as áreas de negócio.
Contudo, por exemplo, temos a área da formação que se tem ajustado muito bem a esta nova realidade digital. Já existiam algumas empresas de formação que ofereciam soluções 100% digitais e agora muitas outras, que ainda não o faziam desta forma, seguiram-lhe as pegadas. Outro exemplo são os ginásios. Algumas cadeias de fitness já tinham as aulas virtuais nos programas de aulas dos seus Clubes e agora foi necessário rentabilizar isso e explorar outras formas de proporcionar aulas em tempo real aos seus clientes.
“Relativamente à perspetiva dos profissionais neste processo de trabalho remoto, eu acho que é importante termos em conta que trabalho remoto é algo um pouco diferente de home office e ainda mais de home office num período de isolamento”
Eu digo isto, porque um dos fatores mais apontados pelos profissionais como sendo um promotor da felicidade corporativa é precisamente a flexibilidade e oportunidade de trabalhar remotamente. As empresas que proporcionam a full time ou apenas alguns dias por semana o trabalho remoto aos seus colabores, fazem-no numa perspetiva de confiança e liberdade – à máxima liberdade está associada a máxima responsabilidade- não impondo propriamente um horário de trabalho das 9H às 18H.
Estas empresas trabalham por objetivos e por isso, o colaborador pode estar a trabalhar em casa, na praia ou numa explanada, dentro dos horários que lhe são mais convenientes. Isto é algo muito comum em áreas criativas como a publicidade, por exemplo.
Quando falamos em home office falamos de algo um pouco diferente disto. Pois as pessoas não podem propriamente escolher onde querem trabalhar, quanto muito escolhem a divisão da casa onde o vão fazer. Isto por si só já retira imenso poder pessoal às pessoas, que se sentem confinadas a um espaço limitado. Para além disto, o que estamos a viver agora é algo ainda mais específico.
Os colaboradores estão a trabalhar em casa, onde passam 24H/dia com os seus companheiros e familiares. Como as empresas não se prepararam para o trabalho feito à distância com antecedência, a forma mais rápida que encontraram de garantir que toda a equipa está a trabalhar e a colaborar entre si, foi manter os horários tradicionais de trabalho. Então, conciliar as necessidades familiares e profissionais em simultâneo, num mesmo espaço físico e de tempo, tornou-se numa exigência enorme para os colaboradores.
Por isso, os desafios que enfrentam são completamente diferentes daquilo que acontece em trabalho remoto. De qualquer forma, explorar estratégias que permitam a proximidade emocional nos relacionamentos em contexto de trabalho é algo extremamente importante.
Nesta perspetiva, um café virtual que simula os 5 minutos que estávamos à conversa com alguém que encontramos na copa quando íamos tomar café, pode ser muito importante. Tal como um almoço virtual à sexta-feira. Ou, um Pet Meeting onde cada colaborador leva para o encontro virtual com a equipa o seu animal de estimação.
Para si, quais são as principais iniciativas que os gestores podem tomar para incentivar os funcionários neste momento tão delicado?
Aqui a minha sugestão é nos focarmos nos básicos. Ou seja, que haja um interesse genuíno pelas pessoas e não se faça nada com o objetivo único da produtividade por si só. Eu sei que sem vendas e lucro os negócios deixam de ser negócios e as pessoas deixam de ter trabalho, mas também sei que se envolvermos as pessoas no processo de resolução, a probabilidade do problema ser efetivamente resolvido é muito maior.
Então, a minha sugestão de iniciativas para os gestores e/ou team leader é simplesmente que falem abertamente e com sinceridade com os seus colaboradores, ouçam o que eles têm a dizer, perguntem-lhes como está a ser a experiência de trabalhar em casa, quais os principais desafios que têm tido e de que forma enquanto gestor ele os pode ajudar a superar essa situação. Só isto por si só já será um grande incentivo.
Contudo, têm surgido várias soluções de team building, escape room e caça ao tesouro online, que podem ser uma ajuda. A este propósito, nós na Happiness factory passamos também a desenvolver as nossas Happy Talks “Boost Happiness [AT WORK]” totalmente online, em formato live. Passamos a organizar estas talks em formato aberto ao público para que pequenas empresas ou individuais possam também usufruir desta experiência motivadora e impulsionadora de uma atitude positiva e resiliente perante as adversidades (que surgem sempre e não apenas agora nesta fase pandémica).
Estamos também a desenvolver um ciclo de workshops – Happy Training [LIVE] – com vários temas relacionados com a felicidade aplicada aos negócios e ao trabalho; e ainda um Happy Program [for Teams] para promover o desenvolvimento de soft skill especialmente relevantes para a cooperação e engagement em trabalho remoto.
O que acredita que é essencial para uma gestão eficiente de pessoas daqui para frente?
Vou partilhar a minha visão relativamente ao impacto que eu perceciono que vai ocorrer com o aumento do trabalho remoto nas empresas, pois creio que após este período de trabalho forçado em casa, muitas empresas que ainda não tinham testado ou implementado esta forma de trabalho, irão agora fazer contas relativamente a custos e benefícios desta modalidade.
“Então, toda a jornada dos colaboradores na empresas precisa ser repensada de modo a que a experiência emocional subjacente continue a ser positivamente impactante”
Isto está relacionado com novas formas de divulgação de ofertas de trabalho; novas ferramentas e métodos de recrutamento; um processo de onboarding completamente diferente do que tem sido feito até agora; um processo de comunicação interna diferenciado, focado na clareza, objetividade e autonomia, com suporte de softwares adequados; atividades e iniciativas promotoras de um Cultura de Felicidade Organizacional e engagement intercaladas entre o presencial e o digital; e, por fim, uma humanização ainda maior nos processos de fim da ligação contratual.
Por isso, aquilo que acho essencial é que haja flexibilidade por parte das empresas e dos seus profissionais para identificar necessidades e explorar em conjunto respostas personalizadas. Nem todos os trabalhadores vão desejar ou querer trabalhar remotamente e é preciso ter isso em conta. Eu já há bastante tempo que digo que a transformação da massificação para a personalização tem que acontecer. Agora, creio que com a prática de trabalho remoto em grande expansão, isto será ainda mais importante.
De outra forma, eu pessoalmente temo que as Culturas Organizacionais acabem por perder força e as pessoas por entrar em processos pouco saudáveis do ponto de vista da sua saúde mental, com impacto direto no seu desempenho e na auto-avaliação subjetiva de felicidade corporativa.
O que os profissionais podem fazer neste momento para melhorar o seu personal branding e se destacar no mercado de trabalho?
Por norma o meu trabalho está muito mais interligado com o employer branding, ou seja, com o posicionamento das empresas em relação aos colaboradores e não tanto dos profissionais em si. De qualquer forma, o que tenho assistido é que há na generalidade uma presença digital muito maior, quer por parte de marcas empresariais, quer por parte de marcas pessoais (empregados ou à procura de emprego).
Isto faz com que a visibilidade de tudo aquilo que é colocado online seja também superior. Por isso, quem já tem um bom nível de autoconhecimento e está ciente do diferencial que tem para entregar, deve apostar em mostrar isso mesmo. Um dos fatores identificado como sendo um promotor de felicidade é precisamente o sentirmos que estamos a contribuir e que aquilo que fazemos tem um impacto positivo no desenvolvimento do Mundo em que acreditamos que é possível todos vivermos.
Para finalizar, sabemos que Portugal se tornou um dos principais polos de tecnologia e economia na Europa. Para si, quais são os principais desafios e os próximos passos dos profissionais e empresas portuguesas depois que esta fase terminar?
Confesso que sou mais adepta do “foco no presente” do que fazer algum tipo de futurologia. Mas bem, a nível tecnológico eu acho que as empresas estão a responder muito bem às necessidades. Isto é bom, porque significa que estão a identificar quais são as dificuldades existentes (nos clientes e no mercado) e a investir no desenvolvimento de respostas tecnológicas (equipamentos e softwares) que lhe façam frente.
O facto de estarem presentes agora, a apoiar quem precisa nesta fase, vai impactar obviamente a forma como essas empresas, após o período de pandemia, vão olhar para elas. Provavelmente vão querer continuar a tê-las por perto para as apoiarem na sua jornada.
A nível económico, creio que nem eu, nem ninguém, neste momento, sabe exatamente quais vão ser os impactos económicos no país, na Europa e no Mundo. Por isso, os desafios serão muitos, mas também serão bastante variados.
Temos empresas a reagir muito bem porque a adaptação ao digital é algo exigente, mas possível. Outras empresas a fechar portas. Outras ainda a entrar em lay off. E, ainda microempresas e muitos trabalhadores independentes que ficaram sem rendimentos.