Acompanhamos nos últimos meses uma onda de mudanças no mundo corporativo. Com a crise do novo Coronavírus, empresas e colaboradores foram obrigados a adaptarem-se ao “novo normal”, que alterou a rotina de muitas pessoas. Neste contexto, milhões de trabalhadores ao redor do mundo tiveram que adotar o trabalho remoto, e essa mudança reforçou debates sobre a forma como trabalhamos e sobre a flexibilidade no regime de trabalho.
Na entrevista desta semana, conversamos com Gonçalo Hall, um dos especialistas em trabalho remoto em Portugal e na Europa, que ajudou-nos a perceber como podemos aproveitar este momento como uma oportunidade para implantar mudanças positivas no ambiente de trabalho.
Fundador da Remote Portugal e Cofundador da Remote Europe, Gonçalo ajuda a capacitar pessoas e empresas para que tenham sucesso na implantação do trabalho remoto.
Ele destaca que Portugal está bastante atualizado em comparação a alguns países da União Europeia e mostra-se positivo sobre o futuro do teletrabalho e os benefícios que pode trazer para funcionários e empresas. No entanto, ele alerta sobre a importância de manter a atenção com os colaboradores e de educá-los sobre as rápidas mudanças que surgem.
Segundo o relatório “Remote Working and the Platform of the Future”, da Boston Consulting Group (BCG), Portugal ultrapassou a média europeia de trabalho remoto ao longo da crise. Em um momento em que o teletrabalho cresce tanto no país, é fundamental informar-se sobre como implantá-lo da melhor forma possível e como apoiar os colaboradores.
Nessa entrevista, Gonçalo dá algumas dicas para otimizar o teletrabalho e ajuda-nos a perceber as tendências e desafios de trabalhar remotamente. Confira a entrevista completa a seguir!
Suas publicações no LinkedIn trazem assuntos muito atuais e acabam por impactar muitas pessoas. Como sua trajetória pessoal e profissional trouxe-lhe até aqui? O que te inspirou?
Eu sou uma pessoa apaixonada por aquilo que faço, acredito na missão do trabalho remoto e acredito que pode mudar o mundo para melhor para empresas, trabalhadores e até países. Grande parte daquilo que partilho no Linkedin está alinhado com essa missão e tem como objetivo demonstrar o que está a ser feito em todo o mundo, a melhor forma de o fazer e o impacto positivo que tem.
Desde que comecei a colocar conteúdo mais frequentemente no Linkedin a maior mudança que fiz foi a de criar conteúdo específico para a plataforma em vez de partilhar conteúdo de outros sites (notícias por exemplo). As pessoas dão muito mais importância à minha opinião como pessoa, às minhas soluções e à minha visão do que à partilha de uma notícia da Forbes.
Sempre quis ter uma missão para defender e dentro do trabalho remoto há pessoas incríveis com um espírito de transparência que não encontro em mais nenhum lugar, as minhas maiores inspirações são o Darren Murph, Head of Remote da Gitlab e o Liam Martin, CMO da Timedoctor, Staff.com e CEO da Running Remote. Colocam sempre conteúdo com qualidade baseado na sua experiência e opiniões e não têm medo de quem os critica. Identifico-me muito com eles.
O trabalho remoto ganhou muita força nos últimos meses. Em suas publicações, defendes que o futuro do trabalho é remoto. Explique-nos o porquê desta convicção.
Vivemos com tecnologia que nos permite estar conectados a todo o mundo, mas trabalhamos com um modelo baseado na era indústrial, tanto no horário como na ilusão de que temos que estar fisicamente juntos com os nossos colegas para o trabalho acontecer. Esta era a realidade da época indústrial em que os trabalhadores estavam todos na linha de montagem, hoje em dia em que tudo é informatizado
“Se o nosso trabalho está sempre online, porque temos que estar em escritórios fechados no centro de grandes cidades com menos qualidade de vida e preços mais elevados?
O trabalho remoto é flexibilidade. Flexibilidade de escolher de onde se trabalha.”
Hoje posso trabalhar de um espaço de coworking e amanhã de um café, no dia a seguir da Ericeira e na sexta feira de casa. Desde que tenha um espaço com qualidade e bom acesso à internet não interessa de onde eu faço o meu trabalho.
Com esta flexibilidade mais pessoas vão sair das grandes cidades e viver em locais onde são mais felizes, mais pessoas vão poder escolher qual é o seu espaço de trabalho ideal, com quem gostam de trabalhar, que música ouve, e vão com toda a certeza ser mais produtivas.
Também do lado das empresas existem imensas vantagens, como a redução de custos, acesso ao melhor talento do mercado, mais produtividade, entre outras. É uma das raras situações em que todos ganham.
Podemos dizer que é o fim dos escritórios? Ou seguimos apenas para uma flexibilização maior do regime de trabalho?
Ainda é cedo para anunciar o fim dos escritório, mas é o fim dos escritórios tal como os conhecemos nos últimos 30 anos.
“As empresas estão a reduzir para metade o seu espaço de escritórios e transformar os escritórios em espaços de encontro e colaboração em vez do local onde o trabalho é feito. Os escritórios são os novos espaços de coworking.”
Este modelo híbrido, com pessoas com acesso aos escritórios e outras sem este acesso é perigoso porque promove desigualdades e tem de ser muito bem implementado para resultar. Mas uma coisa é certa: os escritórios nunca mais serão os mesmos e vão perder valor.
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Neste mesmo contexto, vemos muitas pessoas a trabalhar desde casa que sentem-se desanimadas e desconectadas com o ambiente de trabalho. Como manter os colaboradores envolvidos e comprometidos com a empresa mesmo à distância?
Vivemos numa situação excepcional em que o trabalho é feito maioritariamente de casa, algo que não aconselho à maioria das pessoas, ainda por cima estivemos mais de 6 meses com filhos sem irem à escola e muito stress por tudo o que está a acontecer à nossa volta. Mesmo empresas 100% remotas habituadas a este estilo de trabalho tiveram que se adaptar à pandemia.
As empresas têm que mudar para uma mentalidade mais centrada no ser humano, algo que já era uma tendência antes do Covid.
Toda a estrutura de trabalho tem que mudar, trabalhar remotamente não é o mesmo que trabalhar num escritório.
Após toda a estrutura e processos estarem adaptados ao trabalho remoto devemos dar atenção à cultura e facilitar formas de implementar uma cultura transparente, relaxada e interessante para todos os trabalhadores.
“Alguns exemplos de atividades que podem e devem ser desenvolvidas são: Chamada mensal com todos os colaboradores, liderada pelo CEO com perguntas de todos e foco no futuro e missão da empresa, aulas de ioga online, aulas de meditação, jogos online de colaboração como escape rooms, entre outras.”
Vemos também o crescimento de uma nova posição dentro das empresas com mais de 300 pessoas, o Head of Remote, alguém responsável pelas boas práticas do trabalho remoto, cultura e eventos dentro da empresa. Esta posição vai ser essencial para todas as empresas que estão a trabalhar remotamente uma vez que é um processo em constante melhoria e que requer a atenção de um especialista para que funcione bem.
Qual o maior erro das empresas ao implementar o teletrabalho?
O maior erro é a ideia de que o trabalho remoto é igual ao trabalho no escritório mas com Zoom. Esta ideia é totalmente errada.
“O trabalho remoto envolve mais comunicação assíncrona, uma maior necessidade de documentação de processos e decisões, além de uma estrutura clara de medição de produtividade.”
90% dos meus clientes têm uma péssima documentação e derivado disso existe um excesso de comunicação que leva a constantes interrupções e declínio da produtividade.
Neste momento todos procuram uma fórmula mágica com guias e práticas para implementar o trabalho remoto. Essa fórmula existe? O que é mais importante considerar para um trabalho remoto de qualidade?
Existe uma boa base para o trabalho remoto que todas as empresas têm que cumprir.
Consiste na escolha de uma única ferramenta de comunicação interna, comunicação de qualidade e constante, uma documentação abundante estruturada de forma clara, OKR claros e concisos medidos de forma permanente e uma cultura de transparência.
Todos estes pontos não são negociáveis independentemente da estrutura da empresa.
A partir desta base, ela que tem de ser construída com qualidade. As empresas podem-se adaptar como preferirem. Mais sincronicidade na comunicação ou menos, mais ou menos distribuídas, cultura mais flexível ou mais corportiva.
Tal como numa casa, temos que começar com uma boa estrutura para que o trabalho remoto tenha qualidade.
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Mudamos a forma como trabalhamos, mas como garantir que as pessoas aprendam estas novas formas de trabalho?
Educação interna nas empresas. A verdade é que implementamos novas ferramentas, novos processos e muitas vezes uma nova forma de trabalhar mas não houve um foco na educação interna tanto nas plataformas como nos processos e forma como a empresa utiliza essas plataformas.
“Agora que as empresas estão a pensar no futuro com trabalho remoto é hora de construir a base e educar todos os colaboradores.”
Qualquer pessoa pode trabalhar remotamente, mas para muitos profissionais não é algo natural, é uma aprendizagem.
Como a digitalização de processos contribui para o teletrabalho? Achas que ainda temos muito a evoluir neste contexto?
A digitalização é essencial para o trabalho remoto, penso que a era do papel acabou em Março. A maioria das empresas fizeram um esforço incrível e adaptaram-se muito rapidamente a esta nova realidade, outras estão a ter mais dificuldades.
“Estas empresas terão de procurar educação ou um consultor externo para os ajudar na transformação digital da empresa e implementação de processos que preparem para o seu crescimento num mundo digital, global e mais distribuído.”
Por fim, achas que as leis trabalhistas de Portugal dificultam a adoção do regime de teletrabalho? O que achas que poderia ser diferente?
Estamos surpreendentemente avançados quando comparados com países como a Alemanha, Luxemburgo entre outros grandes países europeus, no entando longe da Irlanda que é líder Europeia neste aspecto.
Penso que o governo Português, tal como fez recentemente o governo espanhol, vai rever as leis de teletrabalho em Portugal. Faz falta mais flexibilidade e menos burocracia. Ainda existem muitas perguntas em relação ao seguro de trabalho, direitos dos trabalhadores remotos e promoção do trabalho remoto como solução para a centralização do país em duas grandes cidades.
“O trabalho remoto pode ser a solução para a desertificação do interior, para um maior acesso ao trabalho qualificado e para uma economia mais equilibrada.”
O governo em parceria com o setor privado têm de aproveitar a oportunidade que o Covid 19 trouxe para dar um salto de 10 anos na digitalização do país (onde o secretário desta pasta está a fazer um excelente trabalho), na descentralização e até na promoção do país como um paraíso para trabalhadores remotos de todo o mundo.
Muito boa esta reflexão. parabéns Gonçalo e à FactorialHR por esta sempre atenta e em cima do que realemnet importa!