De certo que já ouviu falar sobre Inteligência Emocional. Ou pelo menos já se deparou com alguma conversa sobre a necessidade de entendermos melhor as nossas emoções. O conceito de inteligência emocional tem tem ganho muita força nos últimos anos. Especialmente nas empresas, que têm procurado cada vez mais desenvolver estas soft skills junto dos seus colaboradores.
A inteligência emocional é um conceito da psicologia utilizado para designar a capacidade do ser humano em lidar com as emoções. Além de ser muito importante cada pessoa desenvolver esta capacidade, a inteligência emocional é muito útil no sucesso profissional. Falamos, por exemplo, nas relações interpessoais com colegas, mas também de automotivação.
As pessoas, ao ganharem controlo sobre as suas emoções, adquirem também mais autogestão sobre as suas vidas. Tudo junto contribui para o alcance de propósitos e objetivos definidos.
Nesta entrevista conversamos com Paula Roosch, mentora e facilitadora em Felicidade e Cultura Organizacional. É também fundadora o grupo Midiamor. A Paula partilha connosco o que é a inteligência emocional, quais os impactos na cultura organizacional e dá ainda exemplos práticos sobre os benefícios da inteligência emocional no dia a dia.
Leia a entrevista completa abaixo e conheça algumas técnicas e dicas sugeridas pela Paula, para implementar na sua empresa.
1) Conte-nos, por favor, um pouco mais sobre o seu percurso profissional até chegar a Mentora e Facilitadora em Felicidade e Cultura Organizacional?
A minha história é curiosa. Sou bióloga de formação e trabalhei durante dez anos na área de gestão estratégica em empresas muito diversas (químicas, metalúrgicas, consultorias, automóvel), tanto famíliares como multinacionais. A lista é longa!
Durante a minha caminhada profissional, percebi que todas as empresas, sem exceção, tinham o mesmo desafio: criar um ambiente de trabalho que estimulasse a confiança e a colaboração das pessoas.
Normalmente o que eu via era justamente o contrário: pessoas stressadas que contribuiam para uma cultura de desconfiança e de muitos conflitos. Esta questão, apesar de ser encarada ainda como um problema pontual por muitos gestores, é capaz de afetar todos os processos produtivos. Além da qualidade dos produtos e serviços de uma empresa.
Para ilustrar melhor o ponto anterior, gosto de mostrar os dados de um estudo muito interessante realizado pela Page Personnel. Nove em cada dez profissionais são contratados pelo seu perfil técnico, as chamadas “hard skills”, e demitidos por questões comportamentais, as “soft skills”.
Então o que devemos fazer? Contratar apenas pessoas preparadas emocionalmente e socialmente, e considerar menos as suas competências técnicas? Ou criar programas e ambientes corporativos que ajudem as pessoas a se desenvolverem com a empresa?
Perante esta questão, percebi que a minha missão estava em criar ferramentas para as pessoas aprenderem algo que, embora seja essencial, não é trabalhado na sua formação. A minha missão estava em em ensinar as pessoas a lidar com as próprias emoções e a se comunicarem de forma efetiva e não-violenta.
Aprofundei-me no assunto e fiquei apaixonada em estudar Inteligência Emocional, Comunicação Não-Violenta, Empatia e Compaixão. Fundei o Grupo Midiamor e comecei a contar histórias de empatia e a ensinar novas metodologias. Foi assim que gradualmente fiz a minha transição de carreira. Hoje dedico-me exclusivamente em formar culturas mais colaborativas!
2) Quais as principais atividades do dia a dia de uma mentora e facilitadora a trabalhar na área da Inteligência Emocional, que está em tão franco crescimento?
Como as atividades são bastante variadas, gosto de fazer um planeamento eficaz do meu dia. Até porque um bom planeamento pode ajudar a gerir a ansiedade rotineira.
Passo a maior parte do tempo a ensinar as ferramentas que desenvolvo, seja em formações, workshops, conversas ou mentorias. Cada formação é uma oportunidade de perceber a realidade de um lugar de uma forma diferente, de testar e de aprimorar as minhas metodologias.
Gosto muito de adaptar o que estudo a um contexto particular de uma equipa. Por isso digo aos meus alunos e mentorados que todas as experiências são válidas e podem ser utilizadas como matéria-prima para novos desafios. A minha bagagem profissional, como consultora de sistemas de gestão, permite-me ter essa macro perspectiva nas culturas organizacionais, a partir de uma micro questão.
Para desenvolver e adaptar os meus materiais de formação e exercícios, reservo um tempo do meu dia para estudar autores diversos, artigos, pesquisas. No fundo, tudo que me ajude a ser uma profissional e uma pessoa mais capacitada.
Além disso, estou bastante presente na Internet: conto histórias no Instagram @midiamor, ensino metodologias em @paulamidiamor, tenho uma Newsletter, faço vídeos para o Youtube, e muito mais. Apesar da produção de conteúdo nas redes sociais ser desafiadora para manter o equilíbrio emocional, podemos utilizar este meio para disseminar questões importantes.
E claro, o mais importante: dedico tempo de qualidade às pessoas, para as ajudar a relacionarem-se primeiro com as suas emoções e, depois, com os outros.
A inteligência emocional é precursora à inteligência social. Uma vez que uma pessoa começa a desenvolver essas habilidades dentro de si, ela sente o impacto diretamente nas suas relações. Acompanhar esse processo é um grande privilégio e uma imensa responsabilidade, que levo muito a sério.
3) Muitas pessoas ainda não sabem o que é a Inteligência Emocional e os seus impactos na cultura organizacional. O que nos pode dizer sobre este conceito e os seus impactos?
Ainda existe muita confusão no próprio conceito de emoções. Uma pessoa chamada de emotiva é considerada uma pessoa mais fraca, desequilibrada e instável. Quando, provavelmente, ela é uma pessoa mais vulnerável. Biologicamente essa diferença não existe.
A parte cerebral que é responsável por formular pensamentos e ideias, o córtex, desenvolve-se a partir do centro emocional, o sistema límbico. Ou seja, todos os seres humanos são tanto racionais como emocionais. A diferença está na forma como estimulamos a conexão entre essas duas partes, razão e emoção. Desenvolver essa conexão é estimular a inteligência emocional.
Um exemplo prático de como isto impacta o comportamento de um colaborador e, consequentemente, a cultura de uma empresa:
Numa equipa há uma pessoa que se sente sobrecarregada e irrita-se com um novo pedido do seu gestor. Chateada, essa pessoa decide afastar-se e pede demissão. Sente que está a ter um burnout.
Agora imagine que, na mesma situação, mas num outro cenário essa mesma pessoa aprendeu a observar e a gerir as suas próprias emoções. Ela sente-se confiante e comunica-se de forma clara. Além disso, sente que há espaço para ter uma conversa com o seu gestor. Quando esta pessoa se sente sobrecarregada, ela já compreendeu o que fazer porque estava no seu controlo. Pediu ajuda e estabeleceu limites. Ao já ter feito o seu planeamento, quando o seu gestor solicita uma nova tarefa, ela partilha a sua preocupação. Juntos discutem como poderá ser possível otimizar a produtividade da equipa sem comprometer a qualidade do trabalho.
Percebe como isso pode afetar a cultura da empresa?
Por isso, desenvolver a inteligência emocional gera tantos impactos positivos na saúde emocional dos colaboradores! Além de ajudar a criar um ambiente confiável onde é seguro falar sobre emoções, melhorar a comunicação, a colaboração e a produtividade.
4) Que técnicas podemos utilizar para o controlo emocional e automotivação, e trazê-las para o nosso ambiente de trabalho?
Existem muitas técnicas que podem ser aplicadas em diferentes contextos, emoções e situações. Vou citar rapidamente algumas das minhas favoritas, que podem ajudar os leitores a lidarem com situações desafiadoras.
1) Tire tempo para si e ganhe perspetiva dos factos
Sempre que estiver a sentir emoções difíceis e intensas de processar, escolha tirar um tempo para si, para se acalmar e ganhar perspetiva dos factos. Isto porque, perante alguns gatilhos, podemos “perder a cabeça” num processo chamado de “sequestro emocional”.
Nesses casos, as nossas emoções podem cegar a nossa capacidade racional.
2) Dê nome à emoção e perceba o gatilho e necessidade por trás dela
Tirar alguns minutos para respirar fundo, dizer o nome da emoção que está a sentir e entender qual foi o gatilho que a despertou. E qual a necessidade por trás dela. Este exercício pode mudar completamente a qualidade da ação.
Eu gosto muito de fazer isso, nomeadamente ao perceber o meu corpo. Perceber também qual é a energia física que determinada emoção desperta.
Se não for possível afastar-se de uma situação de stress, experimente dar nome à emoção mentalmente, ofereça empatia ao tomar consciência do quanto aquela situação lhe traz sofrimento.
3) Desenvolva a metavisão
Tire uma perspectiva aos factos. Lembre-se que tudo é passageiro e que todas as pessoas sofrem. É como se deixássemos de estar mergulhados na situação, que nos pode afogar; para navegarmos sobre ela, observando os factos com menos julgamentos. A isto se chama desenvolver uma metavisão.
O mais importante é ter a consciência de que não é saudável reprimir ou remoer uma emoção por mais tempo do que o necessário. As emoções são uma bússola que nos indicam o que precisamos de preencher, manter ou de nos livrar. Sendo assim, elas devem ser consideradas para tomarmos decisões.
Mas é fundamental realizar o processo investigativo ao entendermos os pensamentos por trás dos sentimentos. E o que nos motiva a agir, ao invés de sermos impulsivos. Este questionamento pode ser feito através de conversas, da escrita ou simplesmente tendo um diálogo interno mais empático.
5) Como podemos utilizar as emoções para criar uma cultura mais colaborativa?
Eu sei que falar sobre as nossas emoções pode ser algo que não parece combinar com um ambiente corporativo, uma vez que muitas pessoas têm dificuldade em falar o que sentem. Até nas suas relações pessoais.
No entanto, ao entendermos que as emoções são indicadores de necessidades e fontes de energia para ações e interações, descobrimos que temos algo muito poderoso dentro de nós. Mas que, muitas vezes, não fazemos boa utilização. É como alguém que tem um computador de última geração, mas não aprendeu a utilizá-lo. Imagine as empresas criarem meios para capacitar emocionalmente os seus colaboradores? Essa é a ideia.
Ainda vivemos numa sociedade que sofre de analfabetismo emocional. Se as pessoas têm dificuldade em compreender o que sentem, terão dificuldade em se comunicarem. Então é importante criar meios para os colaboradores desenvolverem as suas capacidades de autoperceção e controlo das emoções.
Além desta capacitação, os colaboradores precisam de ter alguma flexibilidade e autonomia para se planearem de acordo com as suas responsabilidades e com o seu estado emocional.
Por exemplo: se hoje me sinto particularmente motivada, pode ser um bom dia para trocar ideias, fazer reuniões, ser criativa. Se estou triste, posso aproveitar meu nível de energia mais baixo para fazer análises, relatórios, fazer atividades que não exijam tanta interação social.
Esta flexibilidade só é possível com o exemplo das lideranças e com a abertura para um diálogo vulnerável nas equipas. Um líder não precisa de saber os detalhes de um problema pessoal de um colaborador. Precisa, sim, de saber que ele não está no melhor do seu foco para liderar um projeto importante naquela semana.
Será que há essa disposição para cultivar relacionamentos nas organizações? Pessoas não são máquinas. Precisamos de conexões reais.
🎧 [Webinar] Educação corporativa: Como redesenhar a aprendizagem nas empresas?
6) Que ações um profissional de RH poderá desenvolver para ajudar a melhorar tanto a saúde emocional dos colaboradores, como a cultura organizacional?
Trabalhar em RH exige bastante criatividade, uma vez que lidar com seres humanos complexos é um imenso desafio. Mais do que técnicas prontas, o profissional precisa de ser receptivo aos vários pedidos, problemas e características das equipas onde irá desenvolver uma ação. Muitas vezes, a ação aplicada tem a melhor das intenções, mas se for feita com uma abordagem invasiva, pode gerar uma reação pouco recetiva por parte dos colaboradores.
Além das formações de competências, workshops e conversas, é preciso desenvolver programas contínuos, com caminhos e objetivos. Quanto mais esses caminhos considerarem casos reais e práticos de situações vivenciadas pelos colaboradores, maior será a abertura e aprendizagem das equipas.
Há também muitas dinâmicas que desenvolvo junto de profissionais dos Recursos Humanos para fortalecer a cultura:
- círculos de reciprocidade, que são reuniões semanais para pessoas pedirem ajuda umas às outras;
- canal Midiamor, no qual os colaboradores podem trocar histórias boas que aconteceram;
- dar feedbacks positivos e trocar agradecimentos;
- rede de e-mails para conectar pessoas que têm interesses comuns;
- trabalho social em conjunto entre equipas;
- apoio psicológico e espaço para escruta ativa de pessoas que precisam de conversar;
- e tantas outras possibilidades!
Reforço que um trabalho especial de consciencialização precisa de ser realizado em conjunto com as lideranças. Desta forma os líderes estarão alerta sobre os estados emocionais dos seus colaboradores. Assim irão conseguir dialogar, antes de tomar decisões. Sem o envolvimento real da gestão de topo, nenhum programa tem real eficácia.
Para os profissionais de RH eu deixo o mesmo lembrete que digo aos meus alunos: confie no processo. Muitas vezes os resultados das ações não são imediatos. O segredo está nos 2Ps, paciência e prática. São nos pequenos hábitos do dia a dia que desenvolvemos maturidade emocional.
📚 [Artigo] Dicas para ter uma boa cultura organizacional
7) Na sua opinião, de que forma a tecnologia pode ajudar as pessoas a serem mais colaborativas e empáticas umas com as outras?
Como tudo na vida, a tecnologia é uma ferramenta que podemos utilizar contra ou a nosso favor. Quanto mais consciência tivermos disso, maior será a nossa liberdade de escolha. Podemos criar consciência ao utilizarmos um sistema emocional interno, que levou milhões de anos para evoluir e que, muitas vezes, tentamos silenciar.
Com o telemóvel temos um universo na palma das mãos. Ao mesmo tempo que temos acesso a milhões de pessoas, informações e ferramentas, também temos uma fonte geradora de ansiedade. Com diversos gatilhos que roubam a nossa atenção e o nosso tempo.
Escolha com quem e para quem irá investir o seu tempo e atenção.
Faça perguntas simples: o que é realmente importante para mim? Quem me traz paz? Com quem e o que me sinto feliz em partilhar? O que me provoca ansiedade? O que me gera angústia? Posso ajudar alguém? A tecnologia tem me feito sentir mais individualista ou mais empático?
Perceba também como as emoções o ajudam nesse processo.
Matenha a qualidade das suas interações.
Mesmo que seja através de vídeo chamadas, mensagens e interações em redes sociais. Apesar de nada se comparar às interações pessoais, a tecnologia permite-nos ultrapassar as barreiras da distância e do tempo. Ao invés de trocarmos mensagens sem muita relevância, podemos estabelecer conexões colaborativas.
Recentemente conversei com uma pessoa próxima, que partilhou comigo o quanto se estava sentir preocupada e ansiosa no trabalho. Fizemos um “brainstorming” por telefone e trocámos ideias sobre o que ela poderia fazer para ter novas oportunidades. Terminámos a chamada e ela saiu com novos planos, e eu saí contente por ter contribuído para as suas possibilidades. O nosso potencial multiplica-se!
A base de relações saudáveis é a escuta. Ouça as suas emoções com atenção para aprender a relacionar-se com elas. Eu vivo todos os dias e garanto que vale a pena!
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